segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Teoria da Imprevisão pela Onerosidade Excessiva


                 
                Instituto que tem origem no art. 6º, V, do CDC - Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; - nas relações de consumo, a conseqüência que o regramento dá quando verificada a onerosidade excessiva não é o da resolução do contrato de consumo, mas o da revisão e modificação da cláusula ensejadora da referida onerosidade, mantendo-se o contrato no demais, no fito de que se restaure o equilíbrio contratual.
Já no ordenamento civilista, a onerosidade excessiva dá razão tanto à revisão do contrato quanto à sua resolução, pois não se exige da parte sacrifícios manifestamente desproporcionais ao valor da prestação que lhe cabia.
Duas são as hipóteses de quebra deste equilíbrio econômico no contrato: (a) na primeira, a prestação devida se avoluma, crescendo demasiadamente em completa desproporção, o que é a onerosidade excessiva; (b) a prestação é reduzida também de forma a quebrar a equivalência com o valor da contraprestação, dando ensejo à correção monetária.
Em ambos os casos, a revisão do contrato justifica-se pela teoria da imprevisão – cláusula rebus sic standibus – cuja aplicação requer o implemento das seguintes condições: (a) contrato de execução futura (diferida ou sucessiva); (b) deve ocorrer uma imprevista alteração das condições econômicas do momento da pactuação; (c) esta alteração deve acarretar uma onerosidade excessiva para uma das partes; (d) o contrato deve ser pré-estimado, ou seja, as suas prestações devem ser previamente conhecidas.
Tal teoria da imprevisão, porém, tem inconveniente. A sua base subjetiva – insistindo nas expectativas alimentadas pelas partes sobre a permanência ou sobre certa evolução futura das circunstâncias que elas tinham como essenciais e que seria afetada pela superveniência de acontecimentos imprevistos e imprevisíveis.
Faz-se, sim, necessária uma reformulação em termos objetivos da teoria da imprevisão, tomando-se por base os fundamentos da teoria da base negocial, que consiste no conjunto de circunstâncias cuja existência e ou persistência considera-se imprescindível para que o contrato seja cumprido.
Pelo princípio fundamental da obrigatoriedade das convenções, não é dado a uma das partes alterar a avenca unilateralmente, ou pedir ao juiz que o faça. Somente em situações excepcionais é que a doutrina e a jurisprudência das últimas décadas tem admitido uma revisão das condições dos contratos por força de uma intervenção estatal – judicial.
A possibilidade de tal intervenção judicial no contrato ocorrerá quando um elemento surpresa, uma circunstância nova, suja no curso do contrato, colocando em situação de extrema dificuldade um dos contratantes, ocasionando uma onerosidade excessiva de sua prestação.
Porém, tal imprevisão é somente a que refoge por inteiro a qualquer possibilidade de previsão e, ademais, deve ser global, ou seja, que atinja a sociedade em geral, ou um segmento significativo da sociedade.
Se um fator externo rompe o equilíbrio contratual, estará ai autorizada a intervenção e, ademais, tendo em vista que o contrato desempenha um papel social, no momento em que rompido este equilíbrio social e econômico representado pelo contrato, atingida está a sociedade e a economia e, a partir de então, possível mostra-se à revisão.
Há uma consciência media da sociedade que deve ser preservada e, desequilibrado este estágio, estarão abertas as portas da revisão.
Não pode a teoria da imprevisão ou da excessiva onerosidade servir para a panacéia de proteger o mau pagador, devendo imperar o bom senso no caso concreto à solução da lide. Aplicação do sentido geral de justiça.
Contrato é “o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.”
Segundo Washington de Barros Monteiro contrato "é o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito".
Assim como todos os institutos do direito, os contratos também se fundam em princípios. Um dos princípios primários é o da força vinculante das convenções. “O princípio da força vinculante das convenções consagra a idéia de que o contrato, uma vez obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele não se podem desligar senão por outra avença, em tal sentido. Isto é, o contrato vai constituir uma espécie de lei privada entre as partes, adquirindo força vinculante igual à do preceito legislativo, pois vem munido de uma sanção que decorre da norma legal, representada pela possibilidade de execução patrimonial do devedor. Pacta sunt servanda.”
Mas esse princípio, com o tempo, perdeu parte de sua eficácia.
A principal nótula dessa sensível mudança é a cláusula rebus sic stantibus que modernamente vem sendo chamada de Teoria da Imprevisão. “A imprevisão consiste assim no desequilíbrio das prestações recíprocas, nos contratos de prestações sucessivas ou deferidas, em conseqüência de acontecimentos ulteriores à formação do contrato, independentemente da vontade das partes, de tal forma extraordinários e anormais que impossível se torna prevê-los razoável e antecedentemente. São acontecimentos supervenientes que alteram profundamente a economia do contrato, por tal forma perturbando o seu equilíbrio, como inicialmente estava fixado que se torna certo que as partes jamais contratariam se pudessem ter podido antever esses fatos. Se, em tais circunstâncias, o contrato fosse mantido, redundaria num enriquecimento anormal, em benefício do credor, determinando um empobrecimento da mesma natureza, em relação ao devedor. Consequentemente, a imprevisão tende a alterar ou a excluir a força obrigatória do contrato.”
Com efeito, “a teoria da imprevisão encontra-se submetida à existência de três requisitos, quais sejam: a) que o prejuízo resulte de evento alheio ao comportamento das partes; b) que o evento determinante do prejuízo não seja apenas imprevisto, mas também imprevisível; c) que o prejuízo resultante para o onerado seja significativo, gravemente convulsionador da economia do contrato.”
“No Brasil não se encontra texto expresso abraçando genericamente a teoria da imprevisão. Mas é inegável que ela inspirou o legislador na elaboração de alguns preceitos esparsos(...) Mas, a despeito da inexistência de regra geral sobre a matéria, a maioria dos escritores entende que a teoria da imprevisão se aplica entre nós(...) Na jurisprudência, por igual, tal tendência tem prevalecido. De fato, após algumas hesitações onde predominam arestos em sentido contrário, parece ter se firmado orientação no sentido de se permitir a rescisão dos contratos, em virtude da excessiva onerosidade das prestações, oriunda de acontecimentos extraordinários e supervenientes, imprevisíveis por ocasião do negócio.”
Essa falta de lei que expresse tacitamente a teoria da imprevisão foi suprida com o advento do Novo Código Civil.
O Código Civil de 2002 em seus artigos 478, 479 e 480 estipula a resolução do contrato por onerosidade excessiva e traz o seguinte texto:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”
Para que aconteça a resolução nos moldes do Código Civil, são necessários alguns requisitos elencados nestes artigos. Ela só ocorrerá nos contratos de execução continuada ou diferida onde será necessário que ocorra concomitantemente a excessiva onerosidade na prestação de uma das partes e extrema vantagem a outra, ocorrendo apenas quando há fatos extraordinários e imprevisíveis. “A onerosidade excessiva da prestação de uma das partes acha-se vinculada, ratio legis, ao resultado de extrema vantagem para a outra, para tipificar o desequilíbrio contratual.” O réu poderá evitar a resolução caso se manifeste a favor de modificar eqüitativamente as condições do contrato e necessariamente a onerosidade deverá ser reconhecida por sentença, ser argüida no Poder Judiciário, sendo que seus efeitos deverão retroagir à data da citação.
Tanto o credor como o devedor poderá pleitear na Justiça a resolução. “Ora, com os níveis atuais de evolução da doutrina, sabe-se que a imprevisão pode resultar em resolução ou revisão do contrato, consultando apenas ao interesse das partes postular por uma ou outra solução. Ademais, credor e devedor devem necessariamente figurar em posição de igualdade frente aos benefícios da teoria, desde que demonstrem o legítimo interesse (a comprovação de que a onerosidade excessiva está a lhes causar prejuízos ou a tornar insuportável a permanência da execução do contrato). Razão disto é a natureza do sinalagma e o princípio constitucional da isonomia.”
Os contratos podem ser extintos de duas formas: de forma normal e de forma anormal. Fala-se em extinção de forma normal quando o contrato é cumprido, ou seja, quando ambas as partes satisfazem suas pretensões com o cumprimento de suas prestações. Já no caso da extinção de forma anormal o contrato não deve ou não pode ser cumprido, seja por fatores anteriores, concomitantes ou supervenientes a sua formação. Quando ocorrer a extinção anormal por fatos supervenientes poderá ocorrer a resolução, a resilição ou a rescisão.
“A resolução trata-se de modalidade de extinção dos contratos por causa superveniente a sua formação, baseada na inexecução, por um dos contratantes, das obrigações ali geradas.
Designa-se resilição ao modo de extinção dos contratos por vontade de um ou dos dois contratantes.
O termo rescisão é, em nosso meio, utilizado ora no sentido de resilição, ora de resolução e, até mesmo, como forma genérica de dissolução dos contratos. Todavia, em termos contratuais, rescisão consiste na ruptura de um contrato em que houve lesão.”
A imprevisão possui alguns pressupostos, dentre os quais, objetivos, tem-se que “à imprevisão tem cunho negativo, consistindo em se afastar as causas de extinção anormal do contrato: rescisão, resilição ou anulação, resolução por inexecução voluntária ou resolução por inexecução involuntária.” Caso ocorra a onerosidade excessiva deve-se, portanto, afastar a resolução por inexecução voluntária e involuntária “o legitimado ativo, que poderá ser o credor ou o devedor, deverá apresentar a condição de não moroso, pois perderá o direito de invocar a imprevisão e ingressará na ortodoxa categoria de inadimplente, ajustando-se aos padrões da resolução por inexecução voluntária: ‘O pedido terá em mira as obrigações ainda não cumpridas. Aquelas cumpridas já estão extintas. A cessão do pagamento, porém, somente pode ocorrer com o ajuizamento da ação e a autorização judicial’”
“A lei contempla, ainda, a hipótese de no contrato caberem as obrigações apenas a uma das partes, como, por exemplo, no caso de a outra já haver cumprido a prestação a ela incumbente. A solução é a mesma: se aquela obrigação devida se tiver tornado excessivamente onerosa, pode o devedor pleitear que seja ela reduzida, ou alterado o modo de executá-la”
Outras ordenações jurídicas também apresentam a onerosidade excessiva nos contratos.
No Direito Italiano a onerosidade excessiva está prevista no artigo 1.467 do Código Civil de 1942 e assim disciplina:
“Os contratos de execução continuada, periódica ou de execução futura, se a prestação de uma das partes torna-se excessivamente onerosa em conseqüência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a parte que deve tal prestação pode demandar a resolução do contrato, com os efeitos estabelecidos no art. 1.458”.
Nas ordenações de Portugal, esse instituto também aparece:
“Art. 432, 1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido um alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de eqüidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não coberta pelos riscos próprios do contrato.”
Outra codificação que traz a idéia de onerosidade excessiva é o Código Civil Argentino, em seu art. 1.198, § 2º. Os efeitos da excessiva onerosidade no direito argentino corresponde à resolução do contrato, a pedido da parte prejudicada.
“O Código Civil de 2002 introduz, além dos arts. 478-480, outras indicções que cuidam da alteração das circunstâncias de fato, ao estilo dos arts. 620 (“Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão-de-obra superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, para que se lhe assegure a diferença apurada”) e 625 (“Poderá o empreiteiro suspender a obra: (...) II- quando, no decorrer dos serviços, se manifestaram dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços”).
E o art. 317, que em se valendo do conceito de imprevisão, na verdade estabelece uma autêntica cláusula tácita de correção do valor de prestações contratuais ou de escala móvel, na hipótese do silêncio do contrato a esse respeito: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
No ano de 1990, através da Lei n. 8.078 foi instituído o Código de Defesa do Consumidor. Este Diploma disciplina em seu artigo 6º, V:
“Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
V- a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;”
O Código de Defesa do Consumidor foi instituído principalmente para manter a proteção a parte mais fraca da relação de consumo, para que tenha o equilíbrio dentro do mercado consumidor. “A sociedade de consumo, ao contrário do que se imagina, não trouxe apenas benefícios para os seus atores. Muito ao revés, em certos casos, a posição do consumidor, dentro desse modelo, piorou em vez de melhorar. Se antes fornecedor e consumidor encontravam-se em uma situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor, importador ou comerciante), que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, ‘dita as regras’... Toda e qualquer legislação de proteção ao consumidor tem, portanto, a mesma ratio, vale dizer, reequilibrar a relação de consumo, seja reforçando, quando possível, a posição do consumidor, seja proibindo ou limitando certas práticas de mercado.”
O artigo 6º do CDC expressa os direitos do consumidor. “A Organização das Nações Unidas, a seu turno, promulgou a Resolução n. 39/248, isto em 10.04.1985, resolução essa que também se refere àqueles direitos fundamentais dos consumidores, direitos esse universais e indisponíveis, fazendo eco, aliás, com a própria doutrina dos direitos humanos.
É no item 3 que se encontra a síntese das normas de proteção, a saber:
a) proteger o consumidor quanto a prejuízos à saúde e segurança;
b) fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores;
c) fornecer aos consumidores informações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais;
d) educar o consumidor;
e) criar possibilidade de real ressarcimento ao consumidor;
f) garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos ou organizações de relevância e oportunidades para que estas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a ela referentes.”
Essa Resolução da ONU de n. 39/248 foi, indubitavelmente, uma das fontes inspiradoras do CDC, assim como o Projet de Code de la Consommation, redigido sob a presidência do professor Jean Calais-Auloy, as leis gerais da Espanha, de Portugal, do México e de Quebec.
“Cláudia Lima Marques (2000:13-58) propõe que o tratamento das cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor está diretamente afetado por três primados fundamentais: princípio da vulnerabilidade; princípio da boa-fé objetiva; e o princípio do equilíbrio ou da eqüidade contratual.
O princípio da vulnerabilidade (art. 4º, I, CDC) considera o consumidor digno de uma tutela diferenciada, que lhe confira proteção como parte mais fraca nos vínculos de consumo, por conseqüência de sua posição de fragilidade econômica, jurídica, psíquica e física em relação ao sujeito preeminente no vínculo de consumo. Em se aplicando o princípio da vulnerabilidade, está-se dando eficácia ao primado constitucional da isonomia, tratando-se desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.
O princípio da boa-fé objetiva revela-se como um standard e um padrão hermenêutico a guiar o sistema de consumo sob a égide da lealdade e da cooperação.
O primado do equilíbrio ou eqüidade contratual é o terceiro princípio, encontrando seu suporte normativo nos arts. 4º, III, e 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, que se revelaria na manutenção do sinalagma inerente aos contratos a ele submetidos.”
A legitimidade ativa para pleitear a revisão contratual, baseando-se no artigo 6º, V, é somente do consumidor. Não tem o direito, nesse caso, o fornecedor de entrar em juízo requisitando a revisão contratual alegando onerosidade excessiva do contrato celebrado, devido a circunstâncias supervenientes. Disciplina com clareza o CDC que essa proteção é exclusiva do consumidor, por estar esse em desigualdade com o fornecedor, tonando-se parte hipossuficiente na relação de consumo.
Para que ocorra a revisão, as prestações devem ser duradouras ou periódicas. “As prestações duradouras classificam-se em divididas, fracionadas ou repartidas, se seu cumprimento se efetua em parte, em momentos temporais distintos, com seu preço pago em parcelas. As duradouras podem ser também continuativas, contínuas ou de execução continuada, quando a prestação consiste numa ação ou numa abstenção que se prolonga ininterruptamente, como ocorre na obrigação do locador de assegurar ao locatário o uso e gozo do bem locado.”
Entende Fabiana Rodrigues Barletta que “outro requisito necessário à revisão será a bilateralidade dos contratos ajustados, ou seja, a bilateralidade no sentido da reciprocidade entre as prestações das partes contratantes. ‘São contratos sinalagmáticos, bilaterais, ou com prestações recíprocas, aqueles que fluem, ao mesmo tempo e para cada uma das partes, obrigações e direitos a prestações recíprocas, ligadas entre si por uma relação de interdependência’”.
Em sentido diverso, Otavio Luiz Rodrigues Júnior defende que “aqui, com maior razão, qualquer contrato de consumo (unilateral ou bilateral, comutativo e oneroso) pode sofrer os efeitos da teoria da imprevisão, o que se dá por influência do princípio da interpretação mais favorável ao consumidor.”
“Apresenta-se polêmica a discussão em torno de a resolução de contratos por excessiva onerosidade atingir somente os contratos oneroso, ou de se estender aos gratuitos... Tradicionalmente, a doutrina entendeu também que somente aos comutativos seria aplicada a teoria da imprevisão com o propósito de resolver o contrato que sofresse ônus de grande monta e que essa possibilidade não afetaria os contratos aleatórios. Porém, mesmo contratos aleatórios, se provenientes de uma relação de consumo, poderão ser revisados na forma prevista pelo artigo 6º, V, 2ª parte, do CDC, se as prestações pagas pelo consumidor forem excessivamente oneradas por motivos posteriores à contratação, gerando profundo e injustificável deseqüilíbrio contratual para o consumidor. Isso pode ocorrer, por exemplo, no contrato de seguro.”
Assim como no Código Civil, no CDC o consumidor não poderá estar em mora, mas nesse caso poderão ocorrer exceções. ”Em princípio, também se nega ao consumidor que esteja em mora a revisão contratual por excessiva onerosidade superveniente à contratação. Observe-se que dele também se exige diligência no cumprimento de suas obrigações, e tal exigência implica atitudes precavidas, como o pedido judicial de revisão contratual antes de se constituir em mora, ou mesmo o depósito judicial do valor da prestação para afastar a mora. Contudo, há que observar se o atraso no pagamento das prestações foi justificado. Justifica-se o estado de mora, por exemplo, no caso d a excessiva onerosidade ocorrer tão subitamente de forma a inviabilizar para o consumidor a proposição, em tempo hábil, da ação de revisão contratual, ou ainda no caso de a onerosidade ser de tal monta que o consumidor não tem condições de depositar a quantia a ser discutida posteriormente, por meio do pedido de revisão contratual em juízo. Nessas hipóteses, e em outras assemelhadas, que o juiz examinará caso a caso, ainda poderá ser concedida ao consumidor a revisão contratual pleiteada, apesar de seu estado de mora.”
“Frise- se que a onerosidade excessiva não precisa acarretar para o devedor a impossibilidade de cumprimento da obrigação. Portanto, se o adimplemento da obrigação ocasionar sacrifícios tão grandes para o consumidor a ponto de ferir sua dignidade, se os obstáculos a serem superados puderem levá-lo à pobreza, evidentemente tal consumidor encontra-se em situação de excessiva onerosidade... Não se exige também que a excessiva onerosidade superveniente para o consumidor importe em extrema vantagem para o fornecedor.“
Não é necessário, para o CDC, que o fato superveniente seja anormal, extraordinário, imprevisto e imprevisível. Para configurar a onerosidade excessiva é indispensável apenas a superveniência para ocorrer a revisão.
A sentença que conceder a revisão ou a resolução do contrato terá efeito retroativo a data do fato gerador da onerosidade excessiva, divergindo assim do Código Civil que disciplina ser retroativa a sentença até a data da citação.
O artigo 51 do CDC traz em seu bojo o fato do consumidor estar em desvantagem com relação ao fornecedor, em uma eventual relação contratual, devendo assim ser protegido pelo Estado.
“Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”
Portanto “a onerosidade excessiva pode ensejar: a) o direito do consumidor à modificação da cláusula contratual, a fim de que se preserve o equilíbrio do contrato (art. 6º, V, CDC); b) a revisão do contrato em virtude de fatos supervenientes não previstos pelas partes quando da conclusão do negócio (art. 6º, V, Segunda parte, CDC); c) a nulidade da cláusula por trazer desvantagem exagerada ao consumidor (art. 51, IV, e § 1º, III, CDC).”
“A teoria da imprevisão serve de mecanismo de efetivo reequilíbrio contratual, quer recompondo o status quo ante que animou o contrato ao tempo de sua formação (efeito da teoria da condição implícita, a implied condition do direito inglês), quer o ajustando à realidade superveniente por modificações eqüitativas, e, como tal, deve representar, em princípio, pressuposto necessário da revisão contratual e não de resolução do contrato, ficando esta última como exceção. Assim é que a Lei inquilinária n. 8.245/91 dispõe sobre a revisão judicial do aluguel a fim de ajustá-lo ao preço de mercado (art. 19) e o Código de Defesa do Consumidor prevê, expressamente, a revisão das cláusulas contratuais (e não a resolução do contrato) ‘em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas’ (Lei n. 8.078/90, art. 6º, V), ou a nulidade delas (art. 51, IV, e § 1º, III). O NCC, ao eleger a cláusula, inverte, todavia, a equação, utilizando a teoria para pedido resolutivo como regra.”
Baseado nos princípios constitucionais da solidariedade social e da igualdade substancial, o Código de Defesa do Consumidor surge como o grande divisor de águas no panorama do direito brasileiro, criando novas bases teóricas para a revisão contratual. “Entre os valores constitucionais e os princípios introduzidos pelo Código de Defesa do Consumidor sugere a aplicação da teoria revisionista nas diversas hipóteses em que se manifeste a vulnerabilidade contratual. Explora, neste percurso... a potencialidade dos princípios da vulnerabilidade, da boa fé objetiva e do equilíbrio das prestações. Como conseqüência, compreende-se como a proteção do contratante em posição de inferioridade.”
Já no Novo Código Civil, alguns dos doutrinadores acreditam que deva ser cautelosa a intervenção judicial na revisão dos pactos e cláusulas contratuais, onde o contratante devedor, fragilizado e com a vontade viciada pelo desespero da crise que se encontre, pode enxergar no socorro judicial sua única esperança. “O que conta, na hora de pagar, é a onerosidade excessiva; acumulação de juros vedado em lei; a variação ilícita de taxas oficiais, que não poderão, jamais, alterar os efeitos econômicos do contrato de trato sucessivo. Parece-nos que, a luz dos princípios do direito adquirido, da equivalência das prestações, dos pacta sunt servanda e do abuso de direito (crime contra a economia popular), o direito assegura a imutabilidade dos contratos, nos termos da lei e taxas judiciais da data de sua celebração (tempus regit actum).”
Neste caso, percebemos a clara distinção entre os dois Códigos, uma vez que o Novo Código Civil e seus doutrinadores enxergam que os contratantes estão em grau de igualdade no momento da celebração do contrato, tendo o Direito dever de evitar o enriquecimento ilícito através da teoria da imprevisão, cláusula rebus sic stantibus e outros remédios dentro de nosso ordenamento, mas, mantendo sempre o princípio da pacta sunt servanda. Enquanto que o Código de Defesa do Consumidor, entende que o consumidor está sempre em grau de inferioridade para com seu contratante, sendo este, por falta de experiência, malícia, conhecimento técnico etc., passível de erro que torne excessivamente oneroso seu contrato.
No novo ordemento civil, para que se possa pensar em alteração contratual sob o manto da onerosidade excessiva, deve ocorrer acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Não podem ser exclusivamente subjetivos, devem atingir uma camada mais ou menos significativa da sociedade.
Um fato será extraordinário e anormal para o contrato quando se afastar do curso ordinário das coisas. Será previsível quando as partes não possuírem condições de prever, por maior diligência que tiverem. Não podemos atribuir a qualidade de extraordinário ao risco assumido no contrato em que estavam cientes as partes da possibilidade de sua ocorrência.
Esses acontecimentos devem refletir-se diretamente sobre a prestação do devedor. O instituto caracteriza-se pela incidência sobre a prestação devida, tornando-a excessivamente onerosa para o devedor. Isto é o que distingue a imprevisão do caso fortuito ou da força maior. É questão de fato a ser apreciada no caso concreto.
Os contratos devem ser de prazo ou de duração. Os de cumprimento imediato não comportam a revisão pela onerosidade excessiva porque esta surge com o passar do tempo, ainda que muito próxima à feitura do contrato. O fato deve ser imprevisto e imprevisível aos contratantes. Se algum deles já sabia de sua existência ou de sua ocorrência, o enfoque desloca-se para os vícios de vontade. O campo de atuação é nos contratos bilateriais comutativos ou unilaterais onerososo.
Os fatos que causem a onerosidade devem estar desvinculados de uma atividade, positiva ou negativa, do devedor. Ausência de culpa.
A doutrina e a jurisprudência aludem, ainda, que para a utilização do instituto para a revisão contratual, não pode estar configurada a mora do devedor a qual, sem dúvida, pode verificar-se inclusive em face do fato imprevisto o que retira do devedor o status de mora.
A revisão contratual sempre opera-se mediante tutela jurisdicional e o pedido poderá conter objeto de liberação do devedor da obrigação ou redução do montante da prestação. O pedido objetivará sempre as prestações ainda não cumpridas, pois as já cumpridas tornaram-se ato jurídico perfeito e, por isso, imutáveis.
A revisão é matéria de caráter excepcional na teoria contratual.
É essencial neste instituto é a posição periclitante em que se projeta uma das partes no negócio, sendo irrelevante que haja benefício para a outra.
Nula é a cláusula contratual que pretenda retirar do contrato a sua possibilidade de revisão em face de verificação de fato superveniente imprevisto e imprevisível, porque inclusive cercearia o direito de ação.

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